O sonho de ver uma mulher negra no Executivo municipal de Salvador não acabou. Foi adiado

Celeste Oliveira 3 MIN PARA LER

O sonho de ver uma mulher negra no Executivo municipal de Salvador não acabou: foi adiado! As eleições de 2020 marcadas, principalmente, pela crise sanitária do Coronavírus, evidenciaram, em âmbito nacional, uma hegemonia partidária em todas as legendas quanto a escolha de candidatas pela cúpula do partido normalmente composta por homens, baixa representatividade de mulheres negras, desigualdades de gênero, racismo, sexismo… além da predominância de cisgeneridade e heterossexualidade.

O Brasil, seguramente, avançou na candidatura de mulheres na política, desde a criação do código eleitoral de 1932. No entanto, não concedeu a elas o direito de votar. Somente dois anos depois, com a Constituição Federal de 1934, podiam votar mulheres solteiras, viúvas ou aquelas que tivessem remuneração e mulheres casadas, só com autorização do marido.

Em 1935, o voto se tornou facultativo. O país avançou, ainda, com a promulgação, em 1990, da lei de cotas, cuja aplicabilidade se deu em 1995, com alargamento do percentual em 1997, garantindo a inclusão e a participação de no mínimo 30% e no máximo 70% de cada gênero nos partidos políticos. Contudo, o quesito paridade e equidade de gênero – cotas para mulheres negras – não avançou e está longe de assegurar esta reparação.

Conforme dados do IBGE, exíguos 2% de mulheres compõem o Congresso Nacional, incluindo, aí, negras, pardas, e particularmente indígenas. Enquanto a Câmara dos Deputados tem apenas 1% delas. Estes percentuais nos dão a dimensão de quão grande é a baixa representatividade dessas mulheres, apesar de existirem leis que garantam o financiamento de campanha de suas candidaturas.

A pergunta que não quer calar é: por que há falta de representatividade dessas mulheres e quem irá representar a população negra deste país? Na grande maioria, periférica, largada ao seu próprio destino, invisibilizada, sem políticas públicas, excluída dos direitos socias e da cidadania, além de exploradas e usadas pela sanha do capitalismo e escravismo moderno.

Com o advento desta crise sanitária que assolou e continua a assolar o mundo, as evidências acima se tornam ainda mais ostensivas! Pois, quem se expõe aos perigos e está na linha de frente das atividades econômicas, sobretudo aquelas consideradas ininterruptas, é sempre essa população carente e desassistida.

Havemos de dizer que estas evidencias são escamoteadas nos discursos negacionistas de parlamentares e/ou de pessoas que minimizam o racismo. Não podemos e não devemos mais escondê-las. Outra vez, as estatísticas do IBGE demonstram que o Brasil tem, no seu contingente populacional, 54% de negros e pobres e, no estado da Bahia, este contingente é de 80,3%. Por isso mesmo, suas demandas e anseios de reparação exigem representação política da vontade popular, a fim de vencermos as diversas formas de racismo – tanto estrutural como institucional – neste perverso sistema de variadas exclusões.

Discutir exaustivamente tais questões é uma pauta inadiável a ser tratada em todos os espaços sejam eles nas esferas federal, estadual e municipal, parlamento, rodas de conversas, ambiente de trabalho, veículos de comunicação e, sobretudo, no ensino fundamental, médio e universitário. As vozes de quem viveu – e continua vivendo – diversas formas de exclusão precisam ecoar e ser escutadas.

Ampliar as políticas públicas, especialmente as de reparação (cotas) que foram introduzidas nos governos neoliberais de Collor e FHC, resultado da pressão dos movimentos feministas junto ao Congresso Nacional, é o caminho acertado para corrigir desigualdades e estabelecer a equidade seja na saúde, moradia, educação, cultura e emprego, que assegure condições de uma vida digna e autônoma.

Encerro este texto, convocando todas as mulheres militantes ou não a acreditarem em sua força e capacidade organizativa para defender direitos que lhes foram usurpados, ao longo de anos e anos de patriarcado e opressão e, enfim, ocupar os espaços de poder que lhes são reservados.

 

Celeste Oliveira é coordenadora de aposentados e pensionistas do SINTAJ