Economista e supervisora técnica do Dieese, Ana Georgina Dias fala sobre o congelamento de salários dos servidores previsto no pacote de socorro aos estados

Redação SINTAJ 4 MIN PARA LER

No dia 27 de maio, o presidente Jair Bolsonaro sancionou o pacote de socorro aos estados, congelando o salário de todos os trabalhadores do setor público do país, sem exceção, até 31 de dezembro de 2021. A medida foi aprovada pelo Congresso no início do mesmo mês e prevê um auxílio financeiro de até R$ 125 bilhões às unidades federativas para ajudar no combate à pandemia de Covid-19. Em contrapartida, o projeto obriga os estados a não conceder nenhum reajuste aos seus servidores públicos. A proposta aprovada pelo Senado previa exceções, como profissionais da saúde e da segurança pública, mas Bolsonaro vetou essa parte do texto.

Para falar sobre a medida, seu impacto na vida dos trabalhadores e na economia e sua efetividade, a Revista SINTAJ entrevistou a economista e supervisora técnica do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos) – Bahia, Ana Georgina Dias. Dias abordou o efeito negativo que o corte ou a diminuição de salários tem na economia. “Quando as pessoas perdem parte da sua renda, significa que parte dessa renda deixa de retornar também como consumo e, consequentemente, arrecadação”, concluiu.

Para a economista a exigência de congelamento dos salários dos servidores é uma medida oportunista do governo e, dentre outras coisas, propõe uma nova forma de tributação para aumentar arrecadação do Estado nesse momento de crise.

“Ao invés de fazer uma  reforma trabalhista, realizar uma reforma tributária progressiva. Ou seja, fazer com que pessoas e instituições que pagam menos impostos passem a pagar mais e desonerar o trabalho”

Ana Georgina

Leia abaixo a entrevista na íntegra:

Revista SINTAJ: Você acredita que o congelamento do salário dos servidores de fato será efetivo economicamente? Haverá uma economia real, como Paulo Guedes vem anunciando?

Ana Georgina: Depende. Na realidade, a redução de salários e, consequentemente, de renda pode até ter algum impacto na economia, no sentido de poupar recursos do orçamento. No entanto, [o impacto] será muito pequeno para justificar toda a perda de atividade econômica que essa renda dos trabalhadores do setor público significa. Essas pessoas consomem e no Brasil nós temos a maior parte da tributação sobre consumo e produção. Quando as pessoas perdem parte da sua renda, significa que parte dessa renda deixa de retornar também como consumo e, consequentemente, arrecadação. Então pode ser, como se costuma dizer, uma economia de dois palitos. Sobretudo em municípios em que os trabalhadores do setor público são os únicos formais. Ainda que isso gerasse uma economia no sentido orçamentário, ela seria totalmente descompensada pelo que vai se perder em termos de arrecadação.

Ana Georgina. FOTO Brasil de fato

Você vê possibilidade de essa falta de reajuste de alguma forma se refletir no desempenho e na vida laboral dos trabalhadores?

Isso certamente irá gerar alguma insatisfação entre os trabalhadores. E, além dessa questão, a impossibilidade e/ou a dificuldade de se criar concursos também vai favorecer muito a contratação por outros meios, como, por exemplo, a terceirização e a contratação temporária. Tudo isso de alguma maneira pode acabar gerando uma certa tensão entre os trabalhadores.

Quais outras alternativas você acha que poderiam ser implementadas pelo governo para conseguir prestar ajuda aos estados, minimizando o impacto desta nos cofres públicos, mas sem congelar o salário dos servidores?

A ajuda aos estados não deveria estar condicionada aos gastos com os servidores públicos. A pandemia acaba sendo a desculpa perfeita para o governo conseguir implementar, ainda que em parte, um pouco do ajuste fiscal que ele já propunha no Plano Brasil Mais. Nesse momento, manter a renda, e aí não só dos trabalhadores do setor público, mas também do setor privado, seria uma medida muito mais efetiva para minimamente sustentar a atividade econômica. O governo deveria estar utilizando o seu orçamento para fazer o enfrentamento à pandemia e os seus impactos. Um dos efeitos mais fortes da recessão será a questão do desemprego no setor privado e esse congelamento de salários no setor público. E isso certamente vai ter um custo econômico. Quando a gente retira renda das pessoas a gente também tá abrindo mão da arrecadação que essas pessoas trariam. É bom a gente lembrar que 65% do valor agregado do PIB de 2019 veio  do consumo das famílias, que a gente pode dizer que é o consumo dos trabalhadores. Ou seja, de todos os grupos que não são nem empresários e nem governo. Seria uma alternativa muito mais inteligente o governo garantir a renda das pessoas, pelo menos no mesmo patamar que elas tinham antes, e pensar em outras alternativas para fazer o financiamento do Estado.

Como o governo federal poderia aumentar a arrecadação?

Tem-se falado muito na questão da taxação das grandes fortunas. Ao invés de fazer uma  reforma trabalhista, realizar uma reforma tributária progressiva, ou seja, fazer com que pessoas e instituições que pagam menos impostos passem a pagar mais e desonerar o trabalho. Tanto a produção, em alguma medida, mas sobretudo os trabalhadores. Além disso, a gente sabe que um dos maiores gastos do governo é com os juros e serviços da dívida pública. Nesse momento também não seria absurdo ter uma interrupção, ainda que momentânea, do pagamento desses juros, para que esses recursos pudessem ser reorientados para fazer a sustentação da renda das pessoas e do enfrentamento à pandemia. Não é uma defesa de calote, mas de uma renegociação e repactuação em relação à essa dívida.