Maioria das medidas tomadas pelo governo federal e Congresso durante pandemia prejudica os trabalhadores

Redação SINTAJ 10 MIN PARA LER

A pandemia de COVID-19, doença causada pelo coronavírus, criou uma crise sanitária e de saúde pública de proporções dramáticas em todo o mundo. Centenas de mortes diárias, sistemas de saúde e funerários colapsados e caos social passaram a fazer parte do cotidiano de muita gente. Na Espanha e na Itália os corpos se acumulam. No Equador estão sendo abandonados nas ruas. No Brasil, até o momento em que publicamos essa reportagem já são … casos confirmados  e … mortos. De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), a melhor estratégia para parar o vírus é o isolamento social. Mas esta medida tem consequências graves.

A crise, inicialmente de saúde, traz junto consigo um problema social de igual proporção. A necessidade de evitar aglomerações e limitar o contato físico entre os indivíduos obriga os serviços não essenciais a pararem de funcionar. Como consequência, empresas quebram, comércios fecham as portas e quem depende desses empregos e do fluxo de pessoas nas ruas – ambulantes e outros trabalhadores informais – fica com pouca ou nenhuma renda.

E é deles, dos trabalhadores, o elo mais frágil do atual sistema econômico, que trataremos nesta reportagem. Como a crise econômica e social tem impactado a vida dos trabalhadores brasileiros? Quais iniciativas o governo federal e o Congresso estão tomando para diminuir (ou não) os efeitos da crise na vida destes? Estas medidas são mesmo efetivas ou só pioram a situação? Para responder a todas estas perguntas de forma satisfatória, trataremos da questão dividindo os trabalhadores do país em três grupos: trabalhadores do setor público, trabalhadores formais do setor privado e trabalhadores informais.

TRABALHADORES DO SERVIÇO PÚBLICO

O “sacrifício” do centrão

Bola da vez, os trabalhadores do setor público brasileiro vêm sendo atacados por todos os lados. Já tiveram sua estabilidade ameaçada pelo presidente Jair Bolsonaro e já foram chamados de parasitas pelo ministro da economia Paulo Guedes. Durante as primeiras discussões sobre as medidas que iriam ser tomadas para mitigar os efeitos da pandemia, o primeiro ataque aos servidores veio do Congresso, do grupo conhecido como centrão.

O PL 1144/2020, proposto no dia 27 de março pelo deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), prevê cortes nos salários dos servidores públicos federais dos três poderes enquanto durar a crise do coronavírus. Já no dia 24, antes do projeto ser formalizado, a medida foi abertamente defendida pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na imprensa.

“Todos sabem que haverá empobrecimento da população e todos sabem que a renda do brasileiro vai ser menor. Então, todos os poderes precisam contribuir, inclusive os deputados, os juízes, os fiscais de renda, todos os servidores”

Rodrigo Maia em entrevista à Globonews

O projeto prevê uma redução escalonada sobre toda a renda do trabalhador e não somente sobre o salário base: 10% para aqueles que recebam remuneração/subsídio acima de R$ 5 mil e inferior a R$ 10 mil e entre 20% e 50% para aqueles que recebem mais de R$ 10 mil. Os recursos economizados iriam para o combate ao coronavírus. A medida valeria inicialmente por três meses podendo ser prorrogada por mais três. Seriam excluídos da redução profissionais da área de saúde, segurança pública e os que estão atuando na linha de frente do combate ao vírus.

O PL 1144, que aguarda despacho de Maia, ataca frontalmente o princípio constitucional da irredutibilidade dos vencimentos dos trabalhadores do setor público. É mais uma tentativa, agora se apropriando de uma situação grave, de retirar direito dos servidores. Desde 2017 já há propostas tramitando no Congresso com o objetivo de flexibilizar o regime estatutário, sendo a mais recente delas o Plano Mais Brasil, que também prevê redução de salário dos servidores. Ou seja, a pandemia é apenas a “desculpa nobre” do momento usada pelos deputados para ignorar a quantidade de vidas que dependem dessas remunerações e que devem ser preservadas em um contexto como o atual.

Em nota técnica sobre o projeto de lei, o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos) destaca o baixo impacto da medida do ponto de vista financeiro. “O montante desses recursos parece ser mais um “gesto simbólico” do que um volume expressivo para combater a Covid-19”, diz o documento. E continua, salientando o quanto isso pode ser prejudicial economicamente. “No entanto [a redução de salários], contribui para reprimir a demanda de consumo das famílias, o que além de baixar o nível de arrecadação, pode criar o efeito “manada” para os estados e municípios, que, ao adotarem a mesma medida, contribuirão ainda mais para a redução da demanda. A participação das despesas de consumo das famílias no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro é da ordem de 64% […]”.

O Novo de novo

Usando o mesmo combo “causa nobre” com “todo mundo tem que ter sua cota de sacrifícios” o Novo tentou emplacar uma medida semelhante, mas ainda pior do que a articulada pelo centrão, na chamada “PEC do Orçamento de Guerra”, que cria um orçamento separado do elaborado normalmente pela União só para abarcar as despesas relacionadas ao combate ao coronavírus. As duas emendas propostas pelos deputados do Novo previam redução de 26% sobre a remuneração bruta mensal dos trabalhadores que ganham entre R$ 6.101,07 e R$ 10.000,00; de 30% sobre para os que recebem entre R$ 10,000,01 e R$ 20.000,00; e de 50% para aqueles que têm vencimentos a partir de R$ 20.000,01.

A proposta valeria para servidores federais, estaduais e municipais. No entanto, a regra foi derrubada durante a votação da PEC do Orçamento de Guerra e, apesar dos protestos dos deputados da legenda, a proposta foi aprovada no dia 3 de março pela Câmara e foi enviada ao Senado sem os jabutis (jargão para emendas que não têm ligação direta com o texto principal do projeto) do Novo.

TRABALHADORES FORMAIS DO SETOR PRIVADO

Um dos grupos de trabalhadores mais afetados pela crise econômica decorrente da pandemia de coronavírus são os que atuam no setor privado, com carteira assinada. Com a diminuição brusca dos lucros das empresas, principalmente das pequenas e médias, que são as que mais geram empregos, muitos trabalhadores estão com suas rendas ameaçadas. Vários governantes ao redor do mundo – inclusive os de ideologia neoliberal – têm ajudado as suas populações através de transferência direta de renda para as pessoas e de programas de colaboração financeira com as empresas, para que estas mantenham os empregos.

Ajuda pra quem?

Na contramão da maioria dos países, os programas emergenciais elaborados pelo governo do presidente Jair Bolsonaro colocam o ônus da crise causada pela pandemia nas costas do trabalhador. No dia 22 de março, um domingo, Bolsonaro publicou no Diário Oficial a MP (Medida Provisória) 927 que, apesar de ser vendida pelo presidente como uma medida para preservar empregos e ajudar os trabalhadores, logo chamou atenção por permitir a suspensão do contrato de trabalho por quatro meses sem que o empregador fosse obrigado a dar nenhuma contrapartida ao funcionário. Com a repercussão extremamente negativa desse item (o Artigo 18) em específico, o presidente revogou o artigo que estabelecia essa possibilidade, mas manteve todos os outros que continuam a prejudicar o empregado.

A MP 928 – basicamente a mesma MP 927 sem o Artigo 18 – prevê, dentre outras, medidas como: a adoção do regime de teletrabalho de acordo com critério do empregador, antecipação de férias individuais e feriados federais e não religiosos – impedindo que o trabalhador goze dos seus benefícios de forma que o ajude e não só ao empregador -, suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde do trabalho, adiamento do recolhimento do FGTS de março, abril e maio com parcelamento do pagamento em até seis vezes a partir de julho, suspensão da fiscalização do trabalho e desconsideração da COVID-19 como doença ocupacional, mesmo para trabalhadores da área de saúde ou de atividades essenciais contaminados. Todas essas medidas podem ser tomadas através de negociação individual com o trabalhador e sem a necessidade do sindicato presente. A MP 928 segue em vigor.

“Pelo visto acima, as medidas anunciadas até o momento (o governo afirma que complementará) só atenderam ao setor empresarial e se baseiam unicamente na redução das prerrogativas dos trabalhadores, das regras que regulam a duração e a execução da jornada, da concessão de férias, da organização de turnos de revezamento e da vigência dos acordos e convenções coletivas”

Afirma o DIEESE em nota técnica sobre a MP 927

A volta dos que não foram

Com a revogação do Artigo 18, Bolsonaro editou a MP 936, que institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, só para tratar especificamente das regras de redução de jornada e suspensão de contratos que ficaram sem regulamentação com a retirada do Artigo 18. Na prática um pequeno recuo, mas ainda insuficiente para realmente proteger o trabalhador. Enquanto a regra descartada previa quatro meses de suspensão de contrato sem obrigatoriedade da manutenção do vínculo empregatício e de salário, prevendo somente que o trabalhador fizesse cursos de qualificação, a MP 936 permite a redução do salário e da carga horária do trabalhador proporcionalmente, enquanto vigorar o estado de calamidade pública.

A diminuição da remuneração pode ser de 25%, 50% ou até 70%. Para complementar a renda o governo pagará ao empregado o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, cujo valor será o da porcentagem da redução aplicada ao valor do seguro desemprego que aquele trabalhador teria direito. Então se a redução da renda for de 70% o governo complementa a remuneração deste trabalhador com um valor equivalente a 70% do  do seguro desemprego que ele teria direito se tivesse sido demitido. A negociação pode ser individual ou coletiva e inicialmente válida por no máximo 90 dias.

A MP também permite a suspensão do contrato por até dois meses ou dois períodos de 30 dias, por negociação individual ou coletiva. Na prática, o efeito é o mesmo do artigo revogado. Suspensão total da renda, só que por um tempo menor. Nesse caso o empregado receberá um benefício que dependerá do tamanho da empresa.

Se a companhia tiver uma receita bruta anual de até R$ 4,8 milhões a ajuda dada pelo governo corresponderá ao valor do total do seguro desemprego que aquele funcionário teria direito caso fosse demitido. Para empresas com faturamento total maior o patrão tem que pagar 30% do valor do salário do trabalhador e o governo complementará a renda com 70% do valor do seguro desemprego a que este teria direito, caso houvesse sido dispensado.

Em tese, de acordo com a MP, o empregado que for afetado pela redução ou pela suspensão do contrato deveria ter uma estabilidade pelo dobro de tempo que durarem as medidas. No entanto, a própria norma relativiza essa garantia e permite que o empregador demita o funcionário pagando uma parte do salário (50%, 75% ou 100%, dependendo da redução acordada) que ele receberia até o final do prazo da garantia. Durante o período de suspensão do contrato a empresa é obrigada a manter benefícios como plano de saúde e vale refeição.

No dia 6 de abril, em resposta a uma ação aberta pela Rede Sustentabilidade contra a MP 936, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Ricardo Lewandowski, determinou que a redução da jornada e a suspensão do contrato celebradas com os funcionários têm que ser comunicadas, em até dez dias, aos respectivos sindicatos para que as entidades avaliem se há a necessidade de iniciar uma negociação coletiva. No texto da MP só era exigido negociação coletiva para trabalhadores com salários entre R$ 3.135,00 (3 salários mínimos) e R$ 12.202,00 (duas vezes o teto do RGPS). Quem recebe mais do que o último valor e tem formação universitária pode dispensar a participação do sindicato na negociação.

“Na hipótese sob exame, o afastamento dos sindicatos de negociações, entre empregadores e empregados, com o potencial de causar sensíveis prejuízos a estes últimos, contraria a própria lógica subjacente ao Direito do Trabalho, que parte da premissa da desigualdade estrutural entre os dois pólos da relação laboral”

Afirmou o ministro em sua decisão

TRABALHADORES INFORMAIS

De onde não se espera nada…

O grupo de trabalhadores tratado com mais descaso pelo governo federal durante a pandemia é justamente o mais vulnerável: os informais. De acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), no final de fevereiro deste ano 38 milhões de  brasileiros estavam na informalidade. Estão inclusos neste grupo pessoas que trabalham de forma assalariada, mas sem carteira assinada, que trabalham por conta própria, não remuneradas ou subcontratadas. Fazem parte desta categoria os vendedores ambulantes, baleiros, guardadores de carro e inúmeros prestadores de serviço como pedreiro, encanador, eletricista, dentre outros que ficam com a renda extremamente comprometida com a diminuição do fluxo de pessoas nas ruas e da solicitação de serviços.

O governo, inicialmente, propôs para estes trabalhadores um auxílio emergencial no valor R$ 200. A proposta foi anunciada pelo ministro da economia Paulo Guedes no dia 18 de março. No entanto, não foi formalizada. O projeto que garantiu a renda mínima emergencial para os trabalhadores informais no valor de R$ 600 foi uma iniciativa articulada pelo Congresso Nacional. A proposta foi aprovada na Câmara dos Deputados no dia 26 de março e no Senado no dia 30. Inicialmente a medida vale por três meses, mas pode ter sua duração prorrogada.

Não sei e não quero saber

Após a aprovação no Senado houve alguns problemas com o governo federal. Apesar de o auxílio ter um caráter emergencial, Bolsonaro levou mais tempo para sancionar a lei do que o normal. Até condicionar a sanção a aprovação de uma PEC o ministro Paulo Guedes tentou. A publicação da norma no DOU (Diário Oficial da União) só aconteceu no final do dia 2  de abril. Após a publicação, foram cinco dias de respostas vacilantes e pouco concretas do presidente Bolsonaro sobre como o pagamento ia ser concretizado e como chegaria às pessoas que precisam. Pressionado, no dia 7 o governo disponibilizou site e aplicativo para as pessoas se cadastrarem para receber o benefício. De acordo com estimativas do DIEESE, 42,3 milhões de pessoas poderão ser beneficiadas em todo o Brasil e 4,4 milhões na Bahia. O auxílio começou a ser pago no dia 9 de abril.

INFOGRAFIAS Viviane Salgado