Saúde mental e prevenção ao suicídio em ano de pandemia
Campanha Setembro Amarelo se torna ainda mais importante em 2020
Em um ano marcado pelo desprezo pela vida, pela incerteza e pela crise, chegamos ao mês de setembro; um período em que temas como suicídio, saúde mental e depressão voltam com toda força ao debate público. Tem sido assim desde 2015, quando a campanha Setembro Amarelo começou a ser feita no Brasil. O movimento tem como objetivo conscientizar a sociedade sobre a prevenção do suicídio e, consequentemente, também promove o debate sobre saúde mental.
Em 2020, a campanha tem ainda mais importância e ganha um contorno peculiar por conta do contexto em que o país se encontra, devido à pandemia de covid-19. Até o fechamento desta reportagem, o Brasil já acumulava mais de de 4,5 milhões de casos confirmados e 137 mil óbitos causados pela covid-19.
As graves consequências da crise sanitária, como a perda de entes queridos, o medo da morte, a crise econômica, o desemprego, a sensação de instabilidade, a necessidade de isolamento social e falta de contato físico, são fatores com enorme potencial para deteriorar a saúde mental e o equilíbrio emocional da maioria das pessoas.
O isolamento social
O isolamento social, prática recomendada pela OMS (Organização Mundial de Saúde) para diminuir o número de contágios, é uma prática difícil de ser sustentada por muito tempo. O ser humano necessita de contato com o outro e a privação do convívio social pode provocar quadros de ansiedade, resultantes da quebra da rotina e da distância dos amigos e pessoas queridas. Além disso, o confinamento também pode gerar estresse decorrente da convivência permanente e mais intensa com os outros membros da família.
O psicólogo e especialista em psicologia analítica, Maurício Fonseca, alerta que, apesar de os efeitos negativos do isolamento serem naturais, é preciso ficar atento para observar se as consequências do distanciamento estão afetando o bem-estar geral do indivíduo.
“O isolamento pode provocar sensação de desamparo, tédio e raiva e isso é comum. Essa ansiedade, irritabilidade e desconforto são movimentos do nosso corpo para se ajustar a essa nova realidade. A questão é quando isso passa a afetar a nossa funcionalidade, podendo causar sintomas de estresse pós-traumático e depressão. Pode haver ainda medo excessivo, angústia, predominância de pensamentos negativos, insônia, irritabilidade, além de manifestações físicas, como falta de ar, taquicardia e sudorese excessiva”, explica .
Em relação ao maior convívio com a família, Fonseca argumenta que os atritos decorrem do modo como cada um lida com os próprios afetos dentro de um contexto de estresse.
“A pandemia tem um efeito catalisador. Intensifica elementos positivos e negativos que já existiam na dinâmica familiar. Estar junto, com pouca ou nenhuma privacidade, com pessoas quem a gente já tem alguma intimidade, pode trazer à tona nosso lado obscuro e vulnerável, que, muitas vezes, não é conhecido nem pelo outro e nem por nós mesmos. É necessário que todos façam adaptações e que haja muito diálogo para o ambiente se manter saudável”, concluiu.
Luto complicado
A impossibilidade de acompanhar o doente nos seus momentos finais e de realizar os ritos fúnebres como estes normalmente são feitos pode provocar sofrimento emocional e psicológico, além do já esperado para a situação de perda de um ente querido. O medo de morrer e/ou adoecer ou de que uma dessas duas coisas aconteça com alguém que se ama pode ser um fator gerador de estresse emocional e desencadear crises de ansiedade, por exemplo.
Segundo Fonseca, a modificação dos rituais funerários dos mortos pela covid-19, provocada pelo risco de contágio, gera o que o psicólogo chama de luto complicado. “É um luto mais intenso e complexo porque as pessoas não tiveram a chance de processar a situação, de se despedir. A despedida dá um senso de realidade, de aceitação da morte”, esclarece o psicólogo.
A crise
Já a crise econômica fez com que muitos brasileiros perdessem o emprego ou a sua fonte de sustento. De acordo com dados do IBGE, nos últimos quatro meses de pandemia 3 milhões de pessoas ficaram sem trabalho. Até a quarta semana de julho, já havia 12,9 milhões de desempregados no país. A vulnerabilidade e a incerteza geradas pelo desemprego e/ou diminuição da renda também podem ter sérias consequências psíquicas. A longo prazo, podem levar a desagregação familiar, depressão, diminuição da autoestima, dificuldades cognitivas e de relacionamento.
Fonseca afirma que os impactos do desemprego são ainda mais devastadores para os mais pobres. “Esses efeitos serão mais acentuados em camadas sociais menos favorecidas. O bem-estar do indivíduo está ligado ao quanto o ambiente no qual ele está imerso lhe proporciona viver experiências positivas ou não e a como ele vai percebê-las”, diz.
Tudo está mais intenso
Lidar com todas as questões já citadas se torna ainda mais complexo para quem possui algum transtorno psiquiátrico – como depressão e bipolaridade, por exemplo – preexistente. De acordo com estimativas feitas em 2018 pela OMS (Organização Mundial da Saúde), neste ano a depressão já é a doença mais incapacitante do mundo. Nesse momento de pandemia, a tendência é que ocorra o agravamento dos sintomas naqueles que já convivem com algum diagnóstico relacionado à saúde mental e que aumente o surgimento de novos casos.
“Essa atmosfera de medo generalizada, juntamente com o fato de as pessoas estarem mais tempo em casa, tem, em muitos casos, agravado a situação de quem já convive com algum transtorno psiquiátrico e provocado o aumento de incidência (aparecimento de novos casos), inclusive entre crianças e adolescentes. Tudo se tornou mais intenso e é necessário uma atenção maior”, relata Fonseca.
Não é preciso passar por isso sozinho
O Setembro Amarelo é uma campanha criada pelo CVV (Centro de Valorização da Vida), juntamente com o CFM (Conselho Federal de Medicina) e a ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria). O movimento tem promovido a popularização do debate sobre o suicídio e sobre a necessidade de procurar tratamento e suporte quando se está enfrentando uma situação de intenso sofrimento psíquico.
O CVV realiza um trabalho de apoio emocional e de prevenção do suicídio. Qualquer pessoa que quiser e estiver precisando conversar pode ligar gratuitamente para o centro, através do número 188. Também é possível conseguir atendimento via chat ou por e-mail. No site da instituição, cvv.org.br, é possível encontrar informações sobre todas as formas de atendimento durante a pandemia. O CVV funciona 24 horas, em todos os dias da semana, incluindo feriados.
Fonseca ressalta que, além da rede de apoio emocional, é importante procurar ajuda especializada, caso seja necessário. “O sofrimento psíquico causado pela pandemia não deve ser subestimado. Pesquisas mostram que esses efeitos podem se estender para o pós pandemia e as intervenções [dos profissionais de saúde mental] têm um papel central nesse processo. Quando as relações sociais e/ou o funcionamento social da pessoa começam a ser afetados um profissional de saúde mental deve ser procurado. Ao perceber sintomas como tristeza prolongada, irritabilidade e desgaste nas relações procure um profissional. Não é preciso passar por isso sozinho”, aconselha o psicólogo.
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